Benedito Geraldo
(Nhô)
Ele era um preto retinto, más era o preto mais
puro que já conheci, tal era a beleza de sua alma.
Já era entrado em anos, porem, sempre jovem,
com um sorriso bonito, permanentemente solto nos lábios grossos;
sorriso de gente feliz porque não tinha maldade na alma. Chamavam-no
também de “NHO”.
Tinha sua profissão, que nunca eu soube qual
era. Mas havia uma outra profissão na qual era artista. Era artista
para tanger os sinos da matriz. E como os tangia... Quando o sonoro
sino grande deixava evolar nos ares seus sons, a gente já sabia
quem o tangia. Era ... o “NHO”.
E nesse tanger, nesse repicar ele punha toda a sua
alma, toda a sua emoção, toda a doçura do seu grande
e resplendente coração. Parecia que a beleza que morava
dentro da sua alma, da sua doce alma, transportava-se para os sinos
todos, a dizer através dos ares, enchendo a terra toda, que ele
amava a cidade lá embaixo e o seu bom povo. E esses sons iam
de quebrada em quebrada, a dizer sonoramente, que era verdade esse bem
querer...
Havia uma festa? Pelo toque do sino, a gente sabia
que era preciso ficar alegre e todos se alegravam... Como não?
O “Dito” estava mandando os sons, como prelúdio de
alegria... Quantas vezes, ouvi minha mãe dizer:
- Escute! Que homem será que morreu? Dito Geraldo
está tocando...
- Mas, mamãe, dizia eu, como sabe a senhora
se é um homem ou mulher quem acaba de deixar este mundo?
- Ora, respondia, ela, pelo toque do sino a gente
sabe. O Nhô avisa! E assim todos sabiam se era homem, mulher ou
anjinho, que Deus havia chamado para si. Na semana santa, o povo era
mais contrito, mais triste; o Dito Geraldo punha através dos
sinos, mais religião, mais emoção , mais tristeza
e arrependimento no coração do povo. Era insubstituível.
Quando alguém se propunha a tanger os sinos amados, em lugar
do Benedito Geraldo, todos diziam: Qual... Como “ele”, não
há ninguém.
Quem não conhece o jeito de repicar “dele”?
Mas um dia o Dito Geraldo morreu. Foi juntar-se aos
homens, mulheres, que ele tinha acompanhado com os seus sons, até
a entrada nos céus.
Quando seu corpo, levado em caixão humilde
pelo povo que o amava, percorria as ruas da cidade, tantas vezes cheias
de sons bonitos que ele mandava lá da velha torre, o sino permaneceu
mudo.
- Como!?...alguém disse. Não tangem
o sino para êle, que tanto tangeu para nós? Nesse momento
lá do alto da torre, alguém fez o sino soar, chorando
baixinho e dorido. Eram sons que feriam a alma; cada pancada, transpassava
o coração da gente que o acompanhava até seu último
pouso. E todos choravam. Todos sabiam que com o corpo frio do querido
“Nhô”, iam também os mais belos sons dos velhos
sinos.
Só uma pessoa não chorava... Só
uma sorria desconsertada, envergonhada, talvez. Era a própria
alma do Benedito Geraldo, que envolta nas brumas do infinito, quase
a sumir-se, para sempre, na voragem dos tempos, dizia:
- Mas, que diabo será aquele, que está
tangendo tão mal, os meus sinos?
Transcrito do Livro "EPOPÉIA
DE UM POVO" (Paulo Ferrari Massaro)
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